Cheguei no Brasil em setembro de 1963. Era um garoto inocente e gostava de coisas de menino. Estava comecando a transicao de rapaz para homen. Morava em Lagoa Santa entre a base aerea e a lagoa. Fiz amizades e tive um namorico com a filha do prefeito. Achava que tinha a maioridade porque possuia uma carteira de motorista da California. Na realidade um “learner’s permit”. Bastava. Em Lagoa Santa andava a pe, de bicicleta e de lambreta. O pessoal me chamava de “perne-longo” ja era cumpridao. Ha tempo praticava corrida de bicicleta e embora nao tao forte tinha otima resistencia o que me ajudava a competir bem nas corridas acima de 40 kms de distancia. No 31 de marco, me lembro muito bem, fui treinar. O treino era uma ida para o Ciclovis na R. da Bahia quase esquina de Amazonas. Uns 40 kms e era um percurso que fazia tranquilamente. O asfalto terminava na praca principal de Lagoa Santa mas chegava bem em BH. A pista era estreita e muitos trechos o acostamento era precario. Tinha alguns caminhoes e carros e sempre um ou outro sacana dono da estrada mas nunca tive problemas maiores. No dia 31, nao sabia nada de golpe mas tinha umas conversas entre meu irmao mais velho e meu pai e alguns correligionarios. O medo deles era que se os comunistas assumissem o poder que iriam expulsar os americanos, principalmente os religiosos, tipo meu irmao e meu pai que eram missionarios. Sentia algo mas achava que nada tinha a ver comigo. Entao porque nao treinar? Peguei a bicicleta e vi uma barreira na base da aeronautica. Paravam os carros e checavam documentos. Isto ja havia acontecido antes e entao nem ligava. Passei direto. Inicialmente o soldadinho fez sinal para eu parar mas como achava que treino era coisa seria, fiz de conta que nao sabia de nada e passei direto. Ai tudo bem nada demais. Usava uma camisa do meu clube americano: Era vermelho e branco e tinha em letra garrafao “Berkeley Wheelmen”. Tudo bem, Lagoa Santa eh uns 100 ou talvez 200 metros mais alto do que Vespasiano, e ha uma descida boa. Na epoca Vespasiano nem chegava na estrada de asfalto que passava por fora. Nao havia distrito industrial e nem nada parecido com o que tem hoje. Fazenda so. Depois de Vespasiano havia um posto da Policia Militar. No posto, a policia fez questao de me parar. Nao entendi e nem falava muito bem portugues. Entao fiquei procurando saber o que estava acontecendo. Me revistaram, apontaram para minha camisa vermelha e as palavras em ingles e falavam: “Revolucao”. Eh obvio que tinha mais soldados da PM e ate um caminhao da tropa. De qualquer forma, passei e cheguei em BH. Ai meus amigos falaram que os militares estavam tomando o poder e que iriam prender o Jango. Tinha nocao mas na realidade entendia muito pouco.
De fato, Jango caiu, o movimento militar comecou em Minas e de la recebeu o apoio dos politicos como o Governador Magalhaes Pinto e da UDN. Ate muitos do antigo PSD tambem vascilaram (ou seja ja eram conservadores mais antigos) e nao deram respaldo ao Jango e o PTB.
Castelo Branco assumiu logo no primeiro de abril quando Ranieri Mazzili atuando como Presidente da Camara declarou que Jango havia abandonado o cargo. Castelo, por sua vez, assumiu prometendo o reestabelicimento da democracia. Mas na realidade era o inicio da ditadura e os longos anos de chumbo. Em dezembro de 1964, regressei para os EUA para terminar o “high school”. Nao sabia que voltaria para o Brasil logo em 66 mas foi isto que aconteceu.
Os anos sessenta foram de transformacao e mesmo o Brasil controlado por um governo militar apoiado por politicos, e empresarios e a classe media com muito medo dos “comunistas” acabou criando uma base de sustentacao que possibilitou calar a esquerda. Embora a esquerda nao tinha nemhuma unidade ou consistencia. Um por um os militares prendiam, expulsavam, exilavam e criava dificuldades e so depois de muito tempo que a sociedade civil acabou rejeitando o autoritarismo. Mas antes fingiu tolerar o AI-5, as prisoes, os desaparecimentos, as torturas, o DOPS e todo o aparato repressivo que, na realidade sempre existe de forma latente ou nao, dentro da sociedade em formacao.
A ditadura era um negocio de dar medo. Muitas pessoas nao se lembram disto. E eh muita bobabem sonhar com a volta de um governo militar para combater corrupcao ou organizar o pais. Os militares e seus aliado tambem se sujaram com a corrupcao e pior ainda com as mortes e sumicos de pessoas. Pelo menos hoje, um politico nao teme o pau de arara. Agora infelizmente, a tortura e os mals tratos continuam nas delegacias e prisoes. Basta ser pobre ou pior negro/indio e pobre.
Falta muito. Nao sei se perdemos o rumo. Tem muita gente que fala que o Brasil nao tem jeito. Penso, ao contrario, que tem mas o caminho e longo e cada geracao tem definir sua tarefa. Minha geracao tinha um inimigo facil e meio bruto, nao muito simpatico e entao era um alvo facil e definido. A situacao de hoje eh muito mais a construcao do que a derrocada da ditadura. Isto foi feito. Constuir uma sociedade implica em sacrificios e um dos problemas que vejo e que as pessoas nao querem sacrificar aquilo que tem e nem deixar os de baixo chegar ao mesmo nivel de status e consumo. A desigualdade continua e a pressao de classe e de separacao tambem. So com muito tempo e talvez uma lideranca melhor.