
Sabemos que há muitos problemas neste Brasil de 2021 e que as perspectivas para 2022 não animam. O próprio presidente acabou de declarar que nada é tão ruim que não pode piorar. Enfim, basicamente confessa que perdeu o controle. O ex-presidente Fernando Henrique declarou no início do ano que “Líder é quem simboliza um sentimento”. A certa altura digamos na eleição de 2018, Bolsonaro galgando 58 milhões votos captou um sentimento de rejeição da política do Temer, do PT da Dilma e da corrupção que vinha crescendo desde pelo menos a campanha de reeleição do Presidente Cardoso. Diante das desigualdades e lacunas de todo tipo, certamente há um desejo latente de uma tabua de salvação. Como já havia a tendência incorporada em Bolsonaro, a facada não mortífera do Adélio consolidou a ideia ridícula do “Mito”. Sua sobrevida acabou sendo um “milagre” e que só Deus poderia alterar a situação. Não há STF ou Congresso, nesta ótica, capaz de mudar o curso.
Entretanto, as coisas mudam. Hoje Bolsonaro ilustra um sentimento de falta de direção, de Norte, de plano e de destino. Mas não é só Bolsonaro. O país todo demonstra resignação e aceitação de situações que normalmente são no mínimo irresponsáveis e muitas vezes criminosas. Confesso que fiquei fora por dois anos, mas pude acompanhar o mal-estar a distância. O que acontece é uma progressiva patologia cultural. A resignação e a tendência para o Sebastianismo vêm de longa data da herança colonial de Portugal. Com a modernização iniciada há 100 anos, com o marco da Semana de Arte Moderna, o Brasil começou a sacudir. O país formalmente foi se liberando da tradição escravagista, a economia industrializou e urbanizou assim como a população.
Apesar das pesadas transformações estruturais, a cultura de uma compreensão compartilhada de valores e organização hierárquica pouco mudou e inclusive sofre reveses.
Da mesma forma, a economia estagnou nos ultimos 20 anos e regressou para um modelo extrativista dependente do setor rural para seu dinamismo.
O povo quer a salvação. O Estado é ou deve ser o pai provedor. Os homens (não as mulheres) estão no comando. A autoridade deve ser imposta. Os que tem, tem por direito adquirido. E os que não tem ficam de fora olhando para dentro esperando qualquer migalha. A classe média e as elites querem seus servidores e embora possam até ajudar o filho ou filha da empregada com a faculdade, ainda não querem abrir mão do servidor domestico. As desigualdades e a discriminação são funcionais e parte da cultura. Embora haja iniciativas individuais, não existe um projeto popular para mudar. Certamente, as tentativas existem mas não atingem uma massa critica que possa transformar a cultura dominante. Iniciativas individuais são ate apreciadas ou reconhecidas. Alem disso, teria a alternativa da emigração. E sabemos que entre os jovens, uma grande parcela, talvez a maioria, não vê opções no Brasil. Só no mês passado foram apanhados na fronteira americana algo em torno de 50 mil brasileiros tentando cruzar de qualquer maneira a fronteira americana.
A enroscada e triste realidade política e econômica que vivemos hoje representa a continua falta uma visão abrangente e mais educada e igualitária para o país. Indo aos “trancos e barrancos” sem mudanças na política e na economia o país segue ladeira abaixo.
Como mudar? O mais fácil é emigrar. Porém a alternativa de “escape” não existe para a maioria. Mudar comportamento individual também pode e muitos estão fazendo esforços e assim participando de movimentos anti-isso ou aquilo. Nunca houve uma mudança na educação, sempre existindo o favoritismo ao status quo da elite e da classe média alta. O analfabetismo rola solto até nas universidades. O imediatismo que vem da herança inflacionaria (que é também renascente) resulta utilização e plena aceitação da filosofia – “se o mingau tá pouco, o meu primeiro”. Assim as “rachadinhas” são normais e perdoadas e as mortes pela Covid e a grande corrupção também.
Não há empoderamento geral. Só aceitação, resignação, desprezo e eventual revolta em forma de crimes de todo tipo.
Ha fogos, há roubos, e desperdícios. As pessoas são jogadas fora e é assim mesmo.
A realidade é dura, mas fazer o que? E assim vai a cultura e o Brasil. Resta saber até quando.
