Foto:TudoAki Noticias
Na mídia social, facilmente se observa entre os opositores do Presidente Bolsonaro, sua rejeição por posturas extremistas e radicais. Muitas postagens e tweets representam horror, estarrecimento e estranhes. As declarações publicas do Presidente são consideradas atípicas, e totalmente fora de um padrão presidencial. Entretanto, argumento aqui que a forma de agir do Presidente é simplemente típica e representativa de amplas camadas da população. Embora comentários racistas, sexistas, anti ecológicas, anti esquerda e anti democráticos sejam repugnantes, eles representam pensamento e linguajar comum no Brasil. Não há novidade.
Claro que há muitos tipos de brasileiros, e o Presidente é um tipo bem típico. A grosso modo é do subúrbio carioca, gosta de samba, toma cerveja e cachaça, raramente whisky, torce por um time de futebol, ama a seleção, mas vai pouco ao campo, nacionalista ate em baixo d’água, gosta de ver e paquerar as mulheres, é gozador, tolera homossexuais, mas não as quer na família, é bem racista mas acha que não é porque sabe que também tem a pele escura e ainda tem amigos negros. Ele tem preguiça igual Macunaíma e sua instrução parou talvez no segundo grau. Suas informações vêm da TV, da igreja, e cada vez mais de mídia social tipo WhatsApp. O homem assume a chefia da família, mas o divorcio e separação também são comuns. Os filhos são criados para o trabalho e a rede de primos, irmãos e amigos na maioria das vezes representa o caminho do emprego. As moças são para casar, mas a “liberdade” de hoje vem complicando a tradição. A faculdade, embora remota ainda serve como meio de ascensão se conseguir chegar ate lá.
Os brasileiros do tipo Bolsonaro têm pouco acesso e menos interesse por bens culturais como teatro, museus e concertos mais sofisticados. Acabam sendo limitados a plateias das novelas, do cinema do tipo Disney, filmes estrangeiros de aventura, e até pornochanchadas nacionais. Na musica tendem para o sertanejo e pagode. Os homens gostam de assistir futebol na TV e podem jogar uma pelada num fim de semana. Gostam de arroz com feijão, um bom churrasco, uma caipirinha e a cerveja nacional. Muitas vezes o horizonte cultural se encerra dentro desses limites por questões financeiras, mas também pelos preconceitos e barreiras culturais invisíveis. Sociologicamente, poderíamos classificar este grupo de pessoas como de classe media baixa, que vislumbra a educação como meio de ascensão, mas que muitas vezes encontram dificuldades de tempo e financeiras, além da distancia cultural. A possibilidade de uma carreira militar, na policia ou no corpo dos bombeiros se torna uma alternativa atraente.
Nessa camada, o machismo reina naturalmente. Os homens gostam de mulher e a atração para mais de uma é corriqueira. As mulheres batalham muito mas reconhecem e as vezes apreciam o machismo como fator protetor numa sociedade onde as mulheres tem menos oportunidade e são mais frágeis. São apreciadoras do lar, da família, da religião e podem ser bastante conservadoras nos costumes principalmente depois de serem mães. A frase da campanha: “Brasil Acima de Tudo, e Deus Acima de Todos” resume bem o sentimento sem precisar entrar em detalhes ou questionar de forma mais profunda. Não há enfim maior complexidade moral.
Nessa camada social, as igrejas evangélicas têm sido bem-sucedidas, porque apresentam uma alternativa de aproximação a Deus e costumes bem mais compatíveis, diferente da Igreja Católica que ainda é distante e burocrática.
As pessoas amam muito o Brasil, são nacionalistas e defensores naturais dos governantes que representam o Brasil. Apreciam especialmente políticos que prometem intermediar entre o individuo e as instituições, já que tradicionalmente as instituições não funcionam bem para aqueles que não tem um contato pessoal ou um padrinho.
E de certa forma, toda política requer simplificação e o Presidente, na sua campanha encontrou, a formula vencedora de respeito à de combate ao crime e à corrupção onde o PT e o Presidente Lula acabaram sendo alvos fáceis. Quem não tem muito tempo e nem muito interesse pode acabar seduzido pela narrativa moralizante baseada em princípios simples e ate bíblicos. Ou seja, não se deve roubar, matar e invejar o outro, defender o aborto ou promover homossexualismo com “kits gay”. É possível que a corrupção tenha realmente atingido um ápice nos governos PT, mas ao mesmo tempo, creio que é provável que os processos iniciados pela Lava Jato tenham atingido principalmente os grupos e pessoas que se associaram ao PT, sem necessariamente serem do partido. Embora sendo um político tradicional e com um passado não tão imaculado, o candidato Bolsonaro apresentou-se como um “outsider” e um evangélico cheio de moral. Assim ele incorporou a roupa do justo e a facada que levou em Juiz de Fora apenas reforçou a ideia que ele seria o grande guerreiro contra o mal. Para ele e muitos outros, as regras são simples e quem as ferem deve ser punido.
E como o Brasil ainda se interessa pela ideia messiânica, o Messias (literalmente) também pode e deve usar o sistema para se beneficiar quando oportuno, e marginalizar aqueles que não comungam de sua visão. Assim assistimos a ideia de nomear um filho como embaixador e aparelhar a administração usando um critério de lealdade e não de competência técnica.
Dessa perspectiva, o desconforto do Ministro da Justiça exemplifica as contradições que não podem deixar de aparecer. Sergio Moro era o paladino na luta contra os malfeitores, mas agora não consegue ou não quer ver os casos bastante questionáveis dentro da administração e ate no seio da família do Presidente.
Se ha um tipo de brasileiro que aprecia autoridade e pulso firme com base em princípios tradicionais, o apoio do Presidente também depende de um outro grupo que talvez seja mais sofisticado e certamente mais bem aquinhoado em termos financeiros. A política econômica incompetente da Presidente Dilma levou o Brasil para seu pior retrocesso econômico. E Bolsonaro foi extremamente perspicaz em recrutar Paulo Guedes, com sua postura a favor do mercado para comandar a economia. Guedes, como Moro, teria carta branca para implantar uma guinada de 180 graus na política econômica usando um modelo “liberal” e privatizante. Com isso, o mercado tolera e perdoa as extravagancias no comportamento do presidente desde que promova medidas favoráveis ao “livre” funcionamento do mercado.
Mas aqui também a simplificação acaba na complexidade. As medidas “ziguezague” com relação a Amazônia demonstram bem. Bolsonaro nunca foi simpático as reservas indígenas e nem favorável a proteção da natureza. Na visão dele o Brasil não deveria participar do Acordo de Paris e deveria incrementar a mineração e complexo agroindustrial na região. A reação mundial e ate grupos econômicos preocupados em não virar parias frearam as ideias mais simplórias. Hoje, a população esta dividida, com muitos brasileiros achando que bom bandido é bandido morto e boa arvore e aquela que produz uma sombra, mas sem atrapalhar o “desenvolvimento”. Me parece relevante que o Ministro da Economia não tenha pronunciado sobre os incêndios sabendo que o campo esta minado. O crescimento econômico prometido ainda não apareceu de forma convincente e então não faz sentido arriscar. E como Moro, Guedes poderá ser eventualmente colocado de lado, se o quadro econômico não mudar ate 2020 ou 2021.
Devemos reconhecer que a construção da democracia no Brasil nunca foi fácil. Num pais aonde mais de 50% das habitações não tem acesso a rede de esgoto e nem a uma escola que ensina a ler e escrever de forma funcional, talvez a democracia seja um luxo. Assim as pesquisas demonstram que pessoas semelhantes a Bolsonaro, se desencantaram com a política, o sistema de partidos, o Congresso e o processo eleitoral. E, como se não bastasse, Bolsonaro sarcasticamente sugere que as pessoas literalmente devem evacuar em dias alternados, e aqueles que o apoiam ate encampam a ideia. Soluções simples como proibir desfile gay, censurar a livre expressão, acabar com noticias “fake”, intimidar os inimigos e favorecer os amigos são cogitadas e implementadas.
Felizmente, a realidade não se enquadra facilmente no básico e simplório. Brasil é uma sociedade complexa e as pessoas, na medida em que são forçadas a pensar, acabam reconhecendo que a situação é mais complicada. Consequentemente, as pessoas também buscam a informação e a educação como meio de progresso individual.
Reconhecendo a complexidade não elimina imediatamente o simplório, e de fato, o Brasil pode reverter muitas vezes, ate enxergar os valores da liberdade individual, da educação permanente, e do raciocínio cientifico, como coisas que não eliminam a simplicidade moral, mas que complementam e transformam a moralidade retrograda em algo de maior valor.
Enfim, o Brasil tem um presidente nacionalista, populista, meio bronco, meio grosseiro, simplório e arretado. E ele não destoa de uma parcela ampla da população que está desesperada e frustrada com a roubalheira atribuída as administrações passadas e que querem soluções que o Presidente promete. Mas talvez o problema seja que o Brasil não tem solução, pelo menos a curto prazo. A ver.
Talvez o Presidente não representa o melhor do Brasil, mas ele representa os brasileiros. Negar isso equivale a negar a realidade.
Tem uma boa dose de verdade, infelizmente, essa descrição do “típico” como algo bastante limitado culturalmente. E que solução de curto prazo não existe também é verdade. Mas é verdade também que a popularidade de Bolsonaro caiu muito entre a posse e agosto. Então essa ideia de que o “brasileiro típico” se sente representado ou está representado não encaixa bem. Há uma verdade implícita no artigo que é a de que intelectuais brasileiros conversam mal como o povo. Não é só que não gostariam de tomar um cafezinho com um tipo tão tosco como Bolsonaro (eu certamente não gostaria, mas adoraria tomar um cafezinho – até já tomei, na ONU – com Fernando Henrique Cardoso), não conseguem conversar com o povo durante a campanha eleitoral. Mas voltando ao típico: FHC não é típico e no entanto foi eleito duas vezes, e em primeiro turno.
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Helga, as you know “ideal types” are only general categorizations and pensando bem diante as eleicoes de Lula, Dilma, Collor, e Bolsonaro, como eh mesmo que FHC conseguiu se eleger? Misterios!
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